Sempre que brilhe o sol lá estarás. A ti, minha comadre e amiga

De que serve viver se a morte espreita? De que serve sofrer se esta vida é feita de trabalho, suor e lágrimas. Não sei como demonstrar a minha raiva. Apetece-me gritar, mas não tenho voz.
Ela chegou. Veio agressiva, determinada a levar alguém. E tinhas que ser tu? Não sei aceitar... Num mês? Somente um mês!
Novamente. Pensei que, durante uns tempos, estaria longe de mim, mas não.
Incrédula. Seca. Já não tenho lágrimas! Sabes que sim.

Amigas há quase cinquenta anos (desde essa altura que combinámos que seríamos comadres). Promessa cumprida.
De sempre. De risos. De gargalhadas. Lembraste, cu...madre, quando na nossa viagem de fim de curso tomámos banho juntas e rimos tanto e barulhamos muito mais que o recepcionista veio pedir....sim, pedir, para fazermos menos barulho. Que idade teríamos, cu...madre? Uns 15 anos?
E quando fomos para Londres, eu para visitar a minha mãe e tu seguirias para Jersey visitar os teus pais e o avião foi para Faro? O que rimos! E depois o que choraste quando não apanhaste a ligação para a ilha do canal! E eu satisfeita, a rir. Reles, disseste tu. Ficaste em Londres uma noite. Choraste e depois rimos. Sim, porque nós ríamos sempre.
E quando eu perdi uma disciplina e teria de repetir o ano e pedi-te para chumbares para assim podermos ficar juntas no ano seguinte, e tu foste a exame e nem o nome escreveste na folha! E lembraste quando fomos ver a pauta e lá estava em frente ao teu nome um redondo zero? Loucas, nós éramos loucas, brincalhonas, alegres e companheiras.
E quando eu saía com o meu namorado, tu cobrias-me sempre. Era contigo que saía se a minha tia perguntasse.

Depois passaste a ser a "Marquita" alcunha dada por mim por fazeres um papel de criança num espectáculo da Madeira Wine; e que mais podias ser com um metro e meio de altura? "Piquininha mas com muita arrumação!" dizias tu quando alguém se referia à tua baixa estatura. "Marquita" e respondias por este nome. Serás sempre a nossa Marquita.

"Cu...madre, já tou reformada, já podemos ir pó café",  disseste tu, a rir, ao telefone no dia em que soubeste da notícia. Somente oito meses! Ingrata. Esperaste pela reforma para podermos ter tempo livre para os nossos encontros. O café das três às três às quartas-feiras, e não nos esquecíamos das bolachas, sim, que vida de reformada não é de exageros, era mesmo só o café.

A Morte não levou a nossa amizade ela perdurará mesmo que na Terra não estejas. E quando eu fôr havemos de voltar a ser o que fomos porque voltaremos a ser crianças.
O teu corpo desce, hoje, pelas 14 horas, à terra, mas a tua memória fica entre nós. Diz-se que, mais uma estrela brilha no céu, mas para mim tu serás o sol porque "Cuando calienta el sol" era a canção que aos berros cantávamos na nossa adolescência.

Para alguns foste a enfermeira Graça, mas para mim serás, sempre, a minha Marquita, cu...madre e amiga. E, porque "Sempre que brilha o sol" era a canção que melhor cantávamos, (e ainda no Natal passado afinámos as vozes, lembraste, no Dia do Cozido?) em dias de festa na minha casa...sempre que ele brilhar será um novo dia...sem ti.

Comentários

  1. Lamento muito.
    Um abraço sentido.
    :( Kao.

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  2. Estive tanto tempo a pensar no que escrever, mas sei que não existem palavras para fazer a dor diminuir.
    Estou aqui só para mandar um abraço.

    Beijinhos

    Sandra / Funchal

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  3. Não sei o que te dizer amiga porque há tanta gente má, cruel, criminosa que deveria partir e nada lhes acontece e gente boa vão-se embora em meses. Pensa apenas numa coisa: deixou de sofrer!

    Um abraço enorme e que ela descanse em paz

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  4. avó Gi, nesta hora em que sente o mundo vazio deixo só um abraço. um silêncio, e depois outro abraço.

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  5. outra avó do continente.quinta-feira, 27 fevereiro, 2014

    Abraço-a, sentidamente.

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  6. AvoGi, estou estupefacta com o post. Ainda no outro dia, davas a conhecer o infortúnio da situação e hoje, tão demasiadamente perto, lanças esta bomba. Lamento tanto, mas tanto mesmo, daquela forma que só alguém que viu a morte ceifar uma vida em dois meses, pode lamentar: de corpo todo e alma comprimida. Um beijo gigante, do outro lado do mar.

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  7. Corisca linda amiga (ilhota como eu), dizes bem, nem um mês desde que foi descoberto. Tão galopante tão agressivo, eu estou...desanimada, incrédula, até...cega, sim,que eu tomava café todas as quartas e nem reparei que ela sofria.
    Kis :=(

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  8. AvoGi, lamento muito a sua perda e nestas alturas é muito difícil arranjar palavras de conforto. Por isso um abraço e muita força.

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  9. Um beijinho carinhoso no teu coração magoado.
    Nunca estamos preparados para uma perda
    e muito menos quando ela se dá assim,
    num ápice.
    Um abraço da bombom

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